Nos últimos anos a forma como os cidadãos e empresas se relacionam com a tecnologia mudou de forma drástica – passou a ser mais acessível, sempre online, móvel, aberta e integrada. Tornámo-nos consumidores e utilizadores sofisticados da tecnologia e da flexibilidade e liberdade que ela nos proporciona. Consequentemente, esperamos encontrar estes benefícios nos serviços públicos a que recorremos.
Um pouco por todo o mundo, as instituições públicas sofrem a pressão destas expectativas, sendo forçadas a inovar na forma como disponibilizam serviços. Muito tem sido feito nesta área, multiplicando-se os projetos de informatização e desmaterialização de serviços, nas mais diversas áreas da Administração Pública, mas estamos ainda longe da acessibilidade, flexibilidade e abertura existente noutros setores.
Assistimos maioritariamente a projetos isolados, com pouca ou nenhuma integração, orientados para os objetivos das organizações e para o cumprimento da legislação vigente, nem sempre centrados nas necessidades dos cidadãos e empresas que deles vão usufruir.
O desafio que se coloca às instituições, para irem de encontro às expectativas dos seus utentes, é o de desenhar serviços públicos orientados para o utilizador, de uma forma mais célere, ajustada ao ritmo de desenvolvimento e evolução tecnológica atual. Tudo isto sem descurar a segurança da informação e das transações, nem a preocupação de eficiência económica e orçamental.
Nalguns países, como Austrália, Canadá, Dinamarca, Reino Unido ou Singapura, temos assistido a algumas iniciativas de implementação do governo Colaborativo, ou de Government as a Platform (gaaP). Estes projetos têm em comum a definição de princípios de eficiência, eficácia, transparência e colaboração, obrigando as instituições públicas a novas abordagens aos projetos de TI – tecnologias abertas, partilha de recursos de TI, metodologias ágeis, etc.
O modelo de governo Colaborativo é aberto à participação de todos no desenvolvimento de novas aplicações, assentes nos recursos e informação disponíveis. Outros organismos públicos e privados podem tirar partido dos dados e APIs existentes para disponibilizar novos serviços, criando-se assim um ecossistema de aplicações que, em conjunto, acrescentam maior valor aos utentes desses serviços. No fundo, trata-se de trazer para os serviços públicos a lógica de funcionamento que a Apple introduziu no mercado, ao lançar o iPhone e disponibilizar uma plataforma de desenvolvimento que permitiu uma explosão de criatividade nas aplicações e serviços disponibilizadas num telemóvel.
Mas como se avança para este modelo de plataforma que permite inovação, dentro e fora das instituições públicas? Como desenhar um sistema no qual os outputs não estão especificados, e que evolui por sucessivas iterações de instituições, empresas e cidadãos, para servir a comunidade?
O ponto crítico deste modelo de funcionamento não está na tecnologia, mas sim nos modelos de governance das instituições. As instituições, de uma forma geral, estão organizadas de forma centralizada, onde controlam a informação e todos os processos; os projetos e orçamentos são compartimentados, orientados para os objetivos específicos de cada instituição. A mudança implica uma reformulação das estruturas, dos processos de decisão, dos métodos e processos de trabalho e, inclusive, da cultura organizacional.
Em Portugal já se deram alguns passos no sentido deste governo Colaborativo – temos plataformas comuns de autenticação, plataformas de pagamentos, temos exemplos de instituições que tiram partido e se integram com aplicações desenvolvidas por outras (o caso das contra-ordenações da saúde ou transportes, que usam o sistema de contra-ordenações das finanças, por exemplo)… Mas é preciso ir mais além, colocar o utente dos serviços no centro das decisões, desenhando os serviços em função do seu benefício e utilidade; implementar metodologias ágeis, abrindo espaço para a iteração e experimentação, que permitam ir ajustando e otimizando os serviços prestados; promover a difusão de APIs que facilitem e incentivem a integração de informação e reutilização de recursos entre instituições.
Daqui a alguns anos, todos estes princípios serão por ventura óbvios, num mundo em que os serviços terão naturalmente uma componente digital, em que a interconectividade e integração da informação através de plataformas e standards comuns serão generalizados, e as organizações se adaptaram para estruturas mais simples e mais ágeis, capazes de acompanhar o ritmo da evolução tecnológica.
As instituições públicas têm, por isso, um caminho a percorrer, e tudo isto leva tempo. são processos de mudança morosos, evolutivos, obviamente necessários para enquadrar os serviços públicos digitais na realidade atual do mercado.
Artigo publicado originalmente no Diretório Global das TIC, Empresas e Profissionais 2016/2017
Joana Peixoto é responsável pela atividade comercial e de marketing da Opensoft, estando também muito envolvida na gestão de produtos de software e implementação de alguns projetos, estratégicos para a empresa.