O aumento dos dados produzidos e a velocidade com que são gerados tem sido uma das grandes alterações promovidas pela tecnologia nas últimas décadas. A qualquer hora, à nossa volta, os dados são gerados por sensores em milhões de dispositivos, máquinas e veículos. As empresas e os governos produzem uma quantidade prodigiosa de dados, estruturados e não estruturados, a uma taxa sem precedentes.
A interpretação e partilha deste volume de informação acarreta alguns desafios, mas também grandes oportunidades para a economia, que nunca se baseou tanto no poder da informação e da sua partilha entre entidades e serviços.
Os serviços públicos, que tradicionalmente se associam a burocracia e sistemas tecnológicos pesados e desatualizados, têm sofrido uma grande transformação nos últimos anos. Tem-se investido muito na interação com os cidadãos e na transformação ou integração dos sistemas legacy para tirar partido de tecnologias mais recentes na prestação desses serviços. Uma das próximas apostas será o aproveitamento dos dados abertos e disponibilização de APIs para melhorar a forma como servem e respondem às necessidades da população.
Os dados abertos são dados que podem ser utilizados livremente, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa, sem restrições de direitos autorais, patentes ou outros mecanismos de controlo. Aplicado a entidades públicas, significa permitir que qualquer entidade ou cidadão tenha acesso aos dados das entidades públicas de forma gratuita e livre. Desta forma, não são apenas as entidades públicas a ganhar com o tratamento destes dados, todos os cidadãos podem aproveitar os dados públicos, que podem ser partilhados ou incluídos em novas plataformas ou serviços, quer para projetos pessoais, quer comerciais.
A disponibilização de dados abertos propicia o surgimento de novas ideias para promover a transparência, o crescimento da economia e a participação dos cidadãos. São também uma das ferramentas mais importantes para partilhar conhecimento científico e promover a inovação.
Mas estes dados são apenas úteis se forem partilhados num formato padronizado e cuja fonte seja facilmente identificável, de acordo com o Open Data Institute, uma entidade cuja missão é promover a inovação através de dados.
Os serviços públicos e os dados abertos
Os serviços públicos podem beneficiar muito com os dados abertos, que permitem a reutilização de dados de forma fácil e barata, além de poderem integrar várias fontes de dados num único sistema.
Pia Waugh, que trabalhou para diferentes governos na área dos dados abertos, identificou algumas vantagens dos dados abertos para os serviços públicos: a primeira vantagem é a eficiência, uma vez que permite disponibilizar, de forma automática, vários dados que são frequentemente solicitados por outras entidades ou cidadãos, possibilitando a libertação de recursos das entidades públicas; outra vantagem é permitirem a inovação, já que os dados estão disponíveis para serem utilizados por pessoas ou organizações que podem criar novas formas de utilizar os dados, incluindo o desenvolvimento de novos negócios; finalmente, a melhoria de serviços, uma vez que a maior eficiência e inovação reflete-se em melhorias relevantes para os cidadãos que beneficiam destes serviços.
Neste cenário, o ónus da inovação não está apenas nas entidades públicas, mas também nos privados. Veja-se o caso dos Transportes de Londres, que disponibilizaram dados de transportes em formato aberto, que foram aproveitados por empresas privadas, entre as quais a startup Citymapper, que disponibiliza uma aplicação de mobilidade baseada nessa informação.
Regra geral, os dados abertos são o primeiro passo para que as entidades públicas utilizem APIs (conjunto de serviços de uma aplicação que podem ser utilizados por outras aplicações). A combinação desta partilha de dados e APIs, de forma concertada e transversal, terá seguramente um efeito muito significativo nos custos e qualidade dos serviços públicos.
Dados abertos para todos
É importante que os dados respeitem um padrão, ou seja, que cumpram o conjunto de especificações definido para os dados serem disponibilizados. É também importante uma política clara em relação aos dados que são disponibilizados, pois é fundamental assegurar a proteção dos dados dos cidadãos. Muitos dos dados que são alvo de interesse são dados pessoais, que se não forem devidamente anonimizados ou tratados podem pôr em causa a privacidade dos cidadãos. É preciso encontrar um ponto de equilibro para que os benefícios sejam sentidos tanto pelas entidades públicas, como pelos cidadãos, definindo procedimentos de preservação de privacidade em todo o ciclo de vida dos dados, para que a questão da privacidade não se torne uma barreira à inovação.
Ao mesmo tempo, é importante envolver novas organizações na política de dados abertos, não só para utilizar os dados, mas também para as entidades públicas terem acesso a novos conjuntos de dados (que resultem do trabalho dos privados, por exemplo). Envolver novas organizações e permitir que estas utilizem dados abertos pode trazer mais eficiência, reduzir riscos e diversificar a forma de utilização dos dados.
Os serviços públicos vão seguramente evoluir para modelos de partilha de dados e outros recursos, mas enquadrados neste novo paradigma dos dados abertos, que condiciona a sustentabilidade de um programa de dados abertos à confiança do público nos processos, que devem preservar a privacidade e dignidade dos cidadãos.
Artigo publicado originalmente no Diretório Global das TIC, Empresas e Profissionais 2018/2019
Joana Peixoto é responsável pela atividade comercial e de marketing da Opensoft, estando também muito envolvida na gestão de produtos de software e implementação de alguns projetos, estratégicos para a empresa.