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Qual o impacto da inteligência artificial nos serviços públicos?

Qual o impacto da Inteligência Artificial nos serviços públicos?

 

A inteligência artificial (IA), de que nos habituámos a ouvir falar em filmes e livros de ficção científica, já é uma realidade para muitas empresas que cedo se dedicaram a explorar as potencialidades da IA. Essa utilização tinha em vista ganhos de produtividade e eficiência e começou a ser notada por diferentes setores, incluindo alguns governos e entidades públicas que se aperceberam do valor estratégico da IA para melhorar o serviço aos cidadãos.

 

A IA é uma tecnologia que tira partido da capacidade dos dispositivos aprenderem e executarem funções cognitivas, semelhantes às dos humanos. A sua utilização na área governamental permite prestar serviços aos cidadãos de forma mais eficaz, desde a gestão de tráfego rodoviário, assistência médica ou até o processamento dos formulários de impostos.

 

Mas são várias as áreas do setor público que podem beneficiar com a IA: saúde, serviços sociais, justiça, segurança social, entre muitos outros. A principal vantagem, que é transversal a todos os serviços que usem a IA, é a melhoria da experiência do cidadão, que se torna mais personalizada e capaz de responder às suas necessidades de forma mais precisa.

 

Segundo um relatório da PWC, a inteligência artificial aumentará em cerca de 16 biliões de dólares o PIB mundial em 2030, mais do que o contributo conjunto da China e da Índia. A par deste fenómeno, vários estudos apontam a IA como uma das peças fundamentais para resolver vários desafios que o setor público enfrenta atualmente.

 

Além das vantagens diretas para os cidadãos, também os próprios serviços têm ganhos com a utilização da IA. São conhecidos os ganhos de produtividade em países que já têm uma utilização massiva de IA nos seus serviços, como o caso do Reino Unido e dos Estados Unidos da América, que fazem uso de tecnologias como machine learning, IoT, análise biométricas, entre outras.

 

A IA é particularmente relevante na eliminação de trabalhos repetitivos e de verificação de dados, que podem ser feitos automaticamente, passando os funcionários a poder dedicar-se a tarefas mais críticas e orientadas à decisão.

 

É ainda uma poderosa arma de combate à fraude e evasão fiscal. Através de um sistema de redes neurais, o Departamento de Trabalho e Pensões do Reino Unido conseguiu automatizar o processamento de reembolsos e sinalizar situações de fraude de forma automática, assegurando que os contribuintes que efetivamente têm direito aos benefícios os recebem, evitando ou reduzindo significativamente situações fraudulentas.

 

Mas quando se fala de IA é também necessário mencionar as controvérsias éticas que lhe estão associadas. A substituição de postos de trabalho por máquinas, assim como a utilização indevida dos dados dos cidadãos são os perigos mais frequentemente associados à IA. Muitos destes receios e críticas resultam de desconhecimento geral das possibilidades da IA, sendo por isso necessário desmistificar as principais objeções à IA. Os cidadãos percebem as vantagens deste tipo de tecnologia em diversos serviços do seu dia-a-dia e utilizam-nos de forma natural na escolha do melhor trajeto para regressar a casa após o trabalho, por exemplo. A utilização destas tecnologias tem de ser acompanhada de regulamentos que salvaguardem os direitos de privacidade dos cidadãos e que garantam a implementação de tecnologias cognitivas de forma responsável.

 

A responsabilidade de usar Inteligência Artificial

 

A adoção da IA pelos governos deve ser feita com responsabilidade, justiça e transparência e, se for necessário, devem ser estabelecidas normas éticas e legislativas para assegurar a confiança e a segurança dos cidadãos. A União Europeia (além de vários estados-membros) deu um passo para essa regularização com o Regulamento Geral de Proteção de Dados em 2018. No mesmo ano, juntou um grupo de especialistas em IA que produziu um conjunto de recomendações éticas. Espera-se que em breve se criem políticas baseadas nestas recomendações.

 

Com o enquadramento ético e legal necessário, a IA pode ajudar os governos a resolver problemas bastante complexos e mudar radicalmente a forma como os cidadãos se relacionam com os serviços públicos. Quando a IA é usada para identificar padrões na evasão fiscal ou filtrar dados do Sistema Nacional de Saúde e ou da Segurança Social para priorizar apoio domiciliário ou infantil, há uma consciência nos cidadãos de maior justiça e racionalização de recursos do Estado.

 

Os algoritmos usados nestas aplicações devem, contudo, ser precisos, imparciais, estáveis, facilmente explicáveis e serem implementados sempre com o intuito de beneficiar o maior número possível de cidadãos para que eles tenham perceção de que o investimento nestes sistemas é realmente útil.

 

De acordo com um relatório da consultora McKinsey, existem cinco dimensões que devem ser consideradas nos projetos de algoritmos de IA, nomeadamente:

 

  • Precisão: deve-se identificar quais os algoritmos que levam à decisão mais favorável para uma dada situação. Por exemplo, como decidir onde se devem concentrar as auditorias fiscais? As autoridades tributárias podem querer otimizar o foco nos cidadãos que possam ter maior probabilidade de reincidir em evasão fiscal. Em outro setor, a educação, o algoritmo pode decidir que a atribuição de bolsas escolares seja baseada na possibilidade do aluno terminar os seus estudos.

 

  • Equidade: o algoritmo deve ser aplicado da mesma forma para todos, não comtemplando grupos protegidos ou imunes. Como é que isso é possível? Há várias formas, nem todas podem ser sempre eficazes. Uma abordagem comum é criar um algoritmo que trata todos os grupos da mesma forma sem distinções de cor, género ou condições socioeconómicas.

 

  • Explicabilidade: os sistemas de AI são mais valiosos quando usados para apoiar e não substituir a tomada de decisões humanas, permitindo compreender a lógica por trás das recomendações do algoritmo. Disponibilizar uma pessoa para avaliar as decisões tomadas pelo algoritmo é importante, mesmo que a decisão não seja alterada por mão humana.

 

  • Estabilidade: com o tempo, o desempenho da maioria dos algoritmos torna-se instável, pelo que estes precisam de ser periodicamente atualizados. Para calcular a frequência com que estes devem ser atualizados, os utilizadores devem perceber a velocidade a que o algoritmo se degrada. Uma das formas de fazer essa avaliação é testar as respostas do algoritmo com dados de diferentes períodos e verificar se o seu desempenho continua como seria expectável. Além desta verificação, é sempre necessário alterar um algoritmo quando existem mudanças de políticas internas ou externas, por exemplo, uma nova legislação.

 

  • Adoção: tipicamente, os sistemas de IA funcionam em três passos: o desenvolvimento do algoritmo, a recolha de informação dos seus resultados e a respetiva adoção. O problema é que, muitas vezes, o utilizador não é considerado e não é criada uma experiência de utilização do sistema intuitiva, pelo que não há qualquer estímulo à adoção do sistema. Assim, é essencial planear e incorporar abordagens para encorajar a adoção do sistema, o que pode incluir o envolvimento de utilizadores-alvo que dão feedback sobre o sistema à medida que este é implementado.

 

Por vezes, a necessidade de implementar rapidamente os sistemas com algoritmos de IA leva a que se ignorem estas dimensões. É, por isso, de extrema importância a evolução e melhoria constante destes sistemas, para permitir a correção de eventuais desvios e otimização de resultados.

 

A Inteligência Artificial está a revolucionar muitos setores, incluindo o setor público. Com a IA, os serviços públicos lentos e com poucos recursos podem transformar-se em casos exemplares de prestação de serviços permitindo melhorar processos internos, aumentar a produtividade, melhorar a precisão na tomada de decisões e a alocação de recursos, entre outros. Países como os Estados Unidos da América, Reino Unido, Japão, Singapura já são exemplos bem-sucedidos da aplicação da IA no setor público. Está na altura do potencial da Inteligência Artificial se estender a muitos outros países.

 

Artigo publicado originalmente no Diretório Global das TIC, Empresas e Profissionais 2019/2020

 

Joana Peixoto é responsável pela atividade comercial e de marketing da Opensoft, estando também muito envolvida na gestão de produtos de software e implementação de alguns projetos, estratégicos para a empresa.

 

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